domingo, 24 de janeiro de 2010

segredos de liquidificador

para Rhaissa


Visto daqui tudo parece branco, mesmo eu sabendo que é azul. É um azul tão claro que os meus olhos insistem em enxergá-lo branco. Um branco ralo, frágil, com aparência de folha de papel seda. Não há nuvem alguma para eu brincar de imaginar formas estranhas, não há pássaros também. Mas daqui, dessa janela, tenho a impressão de que as folhas verdes estão no céu. O céu está branco, embora seja azul. Branco e frágil como uma folha de papel seda.

Me parece que a qualquer instante vai haver um barulho medonho e então o céu limpará a alma da cidade com a santa chuva. Vou sentir vontade de me purificar também, mas a chuva não tem o mesmo efeito sobre mim.

Pudesse me lavar por dentro, limpar todo o sentimento desgastado e jogar no lixo os pensamentos que aparecem sem razão. Pudesse me mudar e me formar outra, pudesse me fazer sentir limpa como não sinto há muito. Pudesse me deixar para trás. Deixar para trás essa Mariana ilusória, sonhadora de sonhos alheios, triste por opção. Esquecer minhas angustias e meus medos. Encarar minha fragilidade gritante e um tanto assustadora.

Não é possível continuar sendo Mariana sem sentir esse gosto amargo que surge, sem avisos, na garganta.

Não há como distanciar o ser do sentir.

A Mariana me maltrata, me faz acreditar em pessoas e coisas que jamais existiram. Me sinto ingênua sendo assim. Me sinto podre por achar que o mundo todo não presta, e repudiá-los por isso, enquanto a Mariana não presta também. Ela é apenas mais uma a se misturar pela multidão sem rosto, dentre as pessoas que vem e vão.

Ela não presta.

Eu não presto.

E não há novidade alguma nisso.

O estranho é que enquanto olho para o céu branco-azul, reclamo da Mariana - que não passa de mim mesma - e espero a chuva chegar, só um nome me vem à mente. Só uma esperança. Só um rosto.

E eu espero, aflita, que o telefone toque.

Espero noticias e boas novas vindas daquele sorriso bom.

Se ele soubesse que a Mariana se importa talvez ele aparecesse mais vezes.

Talvez se a Mariana falasse.

Talvez se a Mariana ligasse.

Mas o dia já está se transformando em noite e ela acredita, fielmente, que as coisas um dia se ajeitarão.

O telefone não toca.

A chuva não cai.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Falta de QI

As vozes são reais.
As vozes sabem o que dizem.
E elas não vão parar, querida.
Elas não param nunca.

Só aumentam e enlouquecem e estraçalham qualquer indício de qualquer coisa.
Elas invadem e machucam e corroem tudo quanto é prova plausível.

As vozes são reais.

Não é nenhum fantasma bizarro que te acompanha, nem um anjo que lhe guarda do mal. Ela é a sua consciência estúpida falando.
Ela fala a verdade em seus ouvidos, não é, meu bem?
Eu sei; a consciência sempre fala, sempre fode e nunca falha. Foda-se o que as pessoas dizem por aí, foda-se o que elas vêem. Você é a única que sabe a verdade e isso lhe é suficiente pra findar qualquer possibilidade existente.
Você sente essa pontinha de tristeza que sempre vem acompanhada de frustração.
Você quer colocar o dedo na garganta e vomitar essa voz, vomitar o sentimento e essa confusão que lhe impede de sair de onde está.

Você está podre por dentro.

Tão podre que se pudesse se auto-destruiria para que todas as pessoas pudessem ver sua verdadeira face. Essa carinha bonitinha não passa de uma embalagem qualquer, o que tem dentro é ralo, é podre e muito, muito triste. E você tenta ficar em paz, tenta se erguer sozinha quando descobre que está jogada no chão. Mas é difícil, não é? Sempre tão difícil. E você ainda diz que se soubesse não teria feito, que se soubesse que iria acabar no chão não teria saído dessa sua redoma de vidro tão segura.

Impossível, meu bem.

Totalmente.
Completamente.

O problema dessa maldita queda é que a gente só percebe que caiu quando já está no chão. Só então a dor te corta, o desespero te dilacera, a boca é tomada por um amargo quase conhecido e a ânsia se torna inevitável.
Enfia logo esse dedo na garganta, pra vomitar as palavras não ditas, garota.

Sem êxito?
Sem êxito?

Pois é...
Dessa vez você não as poupou. Dessa vez você disse tudo, mais do que devia, e ainda repetiu por medo de mau entendimento.

Burra!

É isso que você é, criança: burra; estúpida; uma criança ingênua.
A brincadeira se resume em cometer o crime e não se entregar, entendeu?
Você sempre se entrega, sempre conta os detalhes e mostra as armas manchadas pelo sangue alheio.
Dessa vez você viu o seu sangue enfeitando a faca.
Qual a sensação, hein?
Qual a sensação de morrer do próprio veneno?

O seu veneno não mata, gracinha...

Seu veneno só destrói, corrói, deforma. Seu veneno se resume em jogar o outro no chão apenas com um sorriso.

Parabéns! Parabéns pelo sorriso matador.

Agora é você quem está quase morta, é você quem se contorce, puta da vida, no chão.
Imagino como sua cabeça deve estar em transe, querida. Os pensamentos devem estar se debatendo sem entender o que aconteceu.

"Como me deixei envolver?"
É essa a pergunta que te soca a cara, não é?
E eu te respondo, gatinha: você não deixou porra nenhuma, você não tem poder algum.

Já haviam lhe avisado que, mais dia menos dia, as armas ficariam escassas. Pronto, acabou. Você não tem arma alguma, vive pela piedade alheia, vive rezando, pelos cantos, por uma pouco de amnésia ou qualquer esquecimento passageiro. Você quer esquecer, eu sei. Mas esquecer o que, querida?

Você nem sabe o que te move.

Você sabe que sente alguma coisa, mas nem sequer sabe nomeá-la.
E o pior de tudo: o assassino sabe que te acertou. Sabe que você esta no chão e que, agora, prova uma dose do que injetava nos outros. Ele, com um sorriso no rosto, ainda estende a mão e diz que se você quiser ele retira todo o veneno que vaga no seu sangue.

Tão igual a você, não é, gracinha?

Mas ele retira só se você quiser, ok?
E acredite, criança, ele tem esse poder.
E é isso que fode, não é? É ver que ele tem o poder e você não. É ver que ele pode mudar a história toda num segundo enquanto você depende do maldito segundo pra que a sua história mude. Você quer, mesmo, é pegar o poder da mão dele e fazer tudo girar de acordo com a sua vontade, eu sei. Mas essa possibilidade, queridinha, não existe.

É simples: ou você fica no chão ou aceita a espera por segundos.

E alguma coisa, dentro de você, diz que se ele se prontificar a amar, um pouco que seja, você aceita morrer todos os dias. Morrer nos braços do assassino, nos lábios. Se perder na boca que te consome e no corpo que tanto deseja. Poderia ser assim, mas você entregou o jogo antes da hora. Jamais se deve dizer o que sente, meu bem.

JAMAIS!
Quando a vontade de ser sincera lhe alcançar a boca você deve gritar por mais uma dose e beber até esquecer.

Me escute, garota. Me escute, pois eu sei muito bem o que eu digo.

Vá pro banheiro e tente vomitar esse bolo que está preso na sua garganta.
Fume se quiser.
Grite se quiser.
Tome um banho pra tentar limpar a alma suja.

Faça qualquer coisa.

Qualquer cafonice, desesperada, de garota apaixonada, também é valida, ok?
Só não quebre o espelho, e nem pense em por as mãos naquele maldito telefone.
Ele não precisa saber o quanto você precisa que ele saiba.
Ele não precisa saber de nada.
Ele não quer saber, querida.

Vocês não combinam, meu amor.

Não vai dar certo, acredite em mim.
A idéia de desfazer o feito só o ajuda a se afastar do que ele não quer. Ele não quer querer e não quer que você queira. Ele não quer e ponto. Nunca quis.
Faça o que você achar que deve ser feito, te dou total liberdade pra enfiar o dedo na garganta quantas vezes quiser.
Vá. Tente vomitar a porra de sentimento, os pensamento, a podridão que te consome.

Faça tudo.

Mas eu não vou sumir.
Eu sou real, querida.
Eu sou real e sei, muito bem, tudo o que lhe digo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Corrompido

Abre a janela: bom dia.

Do outro lado o silencio, do lado de dentro o vazio.

Repete: bom dia.

Do lado de fora o silencio, dentro do quarto apenas o mofo das paredes. Todos os dias ela olha para o mofo e o mofo olha para ela, tentando entender como eles foram parar ali.

De onde surgiram?

Até ontem não havia nada.

Até ontem respondiam aquele insistente bom dia.

Até ontem ela sorria ao olhar as paredes limpas e ao ouvir a voz dizer o quão bom o dia poderia ser.

Até ontem.

Mas, agora, parece que o ontem já faz tanto tempo...

Fecha a janela: saco!

Perde-se debaixo do cobertor gasto, se mata de cólera; dorme.

Abre a janela: bom dia.

Do outro lado o silêncio.

É vicioso.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Disritmia

Eu o imagino caminhando devagar, lento, passo a passo, em minha direção. Ele vai sorrir e me abraçar com aquele abraço que desde sempre foi tão nosso, vai dizer coisas sem sentido e eu vou sorrir, mesmo que eu não queira, só para mostrar minha felicidade em vê-lo caminhando, passo a passo, até mim. Talvez ele reclame do cheiro de cigarro e depois diga que eu preciso beber menos e me entregar mais. É claro que dirá que tudo não passou de um pesadelo - essa parte é fundamental.

Apenas um pesadelo, criança: dirá, com as mãos cravadas em minha cintura.

Eu vou permanecer quieta e sorrindo, mesmo que eu não queira, só para mostrar minha felicidade em tê-lo aqui. Vai ficar um tempo me olhando com cara de bobo e dirá, centenas de vezes, o quão bonitinhos são os meus trejeitos, o quão bonito é o meu sorriso e o quanto não entende o que eu espero das pessoas. Nesse momento eu vou pensar em beijá-lo para fazer com que aquela boca, que fala demais, se cale. Vou pensar e desejar e até sentir a língua dele tocando a minha.

O máximo que farei, sem pensar, se resume a tirar o sorriso do rosto - sem mas nem por que.

Vou deixar meu sorriso se esvair pelo desejo e pelas palavras não ditas. O silencio vai ficar sentado entre nossos corpos, tão amigos quanto amantes, e eu vou esperar, ardentemente, sua boca colar na minha. Espero. Espero. E no meio desses segundos, que mais parecem a eternidade, vou me encontrar em certos devaneios inevitáveis.

Vou olhá-lo e não vou reconhecê-lo.

Vou repudiar seu abraço e dizer, sem precisar falar, que o amargo daquela boca me enoja. Em minha mente vou idealizá-lo caminhando devagar, lento, passo a passo, indo embora. Eu vou olhar aquelas costas e vou maldizer todo, e qualquer, desejo que apareça ao ouvir seu nome. Vou odiá-lo por três eternos segundos...

Até ele sorrir e dizer: foi tudo um pesadelo, minha menina.

Então o nosso abraço vai nos unir sem ser necessário dizer nada. A mão que se encontrava em meus cabelos deslizará, agora, até minha cintura e ali permanecerá. Nossos olhos se encontrarão, e se perderão, até uma boca encontrar a outra. Acontece. Enfim acontece: o beijo poético. As bocas, de tão amigas, se reconhecem de imediato. O beijo flui. Faz renascer o desejo de ficar perto, ficar junto. A mão está cravada em minha cintura enquanto eu tento fazer com que ele entenda que eu não espero nada das pessoas. Eu jamais espero. O tempo nunca foi, e nem será, o aliado de sentimento algum, meu bem. O tempo traz o esquecimento. O tal esquecimento que em certas horas me parece tão encantador. O esquecimento me traz a calmaria e os passos que caminham pro extremo oposto.

Viro o rosto.

Saio correndo sem me importar com os pedaços que ficam pelo caminho.

Longe dos olhos, longe do coração.

Abro os olhos.

Enxergo tudo.

Enxergo o caos.

Em minha frente, com as mãos coladas nas minhas, se encontra o novo. Ao longe, meio apressado, posso ver as costas que eu tanto temi enxergar. Os passos, ligeiros, se seguem na direção oposta. E eu me encontro sorrindo, mesmo sem querer, para mostrar a minha satisfação pelo desfecho da história. Sorrindo para dizer que eu fiz, finalmente, a coisa certa. Sorrindo para dizer que eu não posso mais enquanto o novo me encara e eu luto contra o coração que insiste em reviver - ou reavivar - sentimentos mortos.

Em meio aos meus devaneios me imagino correndo e correndo até alcançá-lo e fazê-lo entender o que eu espero das pessoas.

Até direi: eu espero por você.

E ele entenderá, de uma vez por todas, que é necessário aceitar meu amorzinho ralo, e tosco, e que é a única coisa que eu tenho para oferecer e só ofereço a ele e a mais ninguém. Ele vai sorrir, mesmo sem querer, só para mostrar que ele entende o que eu estou dizendo.

E eu...

Eu vou embora.

Volto para casa com a certeza de que ele jamais entenderá coisa alguma. No meio do caminho ele vai pedir que eu volte, mas eu estarei longe demais para ouvi-lo. Ele vai correr e não vai me alcançar. Vai se explicar e eu, como criança mimada que só pensa em dar o troco a todo custo, vou me negar a entender.

Antes de me entregar ao novo ainda vou me obrigar a olhar pra trás e ver como era o caminho. Ele ainda estará lá, caminhando, apressado, na direção oposta. De súbito imaginarei outro ser a esperá-lo e então vou passar a acreditar que aquilo que eu pensava ser tão nosso sempre foi de qualquer um.

Choro pela certeza estampada nas paredes.

Choro por saber que a minha verdade nunca passou de uma mentira rala (e eu, tola, preocupada com a escassez do meu sentimento).

Corro.

Corro na direção oposta.

Me deparo com o novo que me sorri enquanto aperta minhas mãos. Meio desajeitada levo as mãos até minha cintura e o beijo como se fosse a única coisa que eu precisasse naquele momento.

Enquanto o coração me faz relembrar a imagem das costas eu o beijo e repito, mentalmente, a mesma frase até ela se tornar certeza: Longe dos olhos, longe do coração. Longe dos olhos, longe do coração. Longe dos olhos, longe do coração. Longe dos olhos, Longe dos olhos, Longe dos olhos... Longe do coração.

Baby, when I know you're only sorry You got caught

sábado, 2 de janeiro de 2010

duas décadas

Saia dessa redoma que te cerca, meu bem. Sorria mais e dance e cante e festeje e beba e morra de amor. Tenha muitas paixões, querida. Se apaixone. Encontre, finalmente, alguém que vá querer esse seu amor meio torto, e um tanto ralo, e que ainda diga que não é necessário mais nada. Cresça. Amadureça. Entenda aquelas coisas que, hoje, você julga totalmente sem nexo. Seja feliz. Chore de emoção. Tente se estabilizar e crie coragem para fazer certas coisas. Faça certas coisas. Entenda, de uma vez por todas, que demonstrar sentimento não significa ser fraco; e que, por mais que você ame alguém do jeito mais bonito que já se ouviu falar, ele tem o direito de não te querer. As pessoas vão continuar te odiando, ou amando, ao longo dos anos. Algumas até entenderão que, apesar de tudo, você é uma boa garota. Outras jamais entenderão. Todas as pessoas, sem exceção, vão te magoar pelo menos uma vez na vida, e você vai chorar (ou não) e depois perdoar (ou não). Se concentre no que realmente é importante e deixe os detalhes de lado. Perca esse medo de dizer que ama. Beije. Deseje. Sonhe. Faça tudo o que quiser fazer e tente não se arrepender jamais (caso não consiga, que ao menos não fique remoendo pequenas coisas) Leia mais; há muito livro pra pouca vida. Fale. Grite. Dê espaço para que as pessoas possam te ouvir. Não tente carregar o mundo nas costas. E, acredite, meu bem, nem sempre você está com a razão. Não se julgue demais ou se ache a pessoa mais chata do mundo, há pessoas piores. Se deixe levar. Se deixe envolver. Um dia as pessoas entenderão que por trás desse sarcasmo todo há um pouco de verdade. Não dê valor para quem não merece e jamais subestime as pessoas, não há ato mais grosseiro do que o de subestimar. Se iluda menos e respire mais. Tente, e queira, ser menos impulsiva. Esqueça algumas pessoas e conheça outras - mesmo achando pessoas um porre. Abra as janelas. Compre roupas coloridas. Faça menos drama, mas não deixe de demonstrar quando algo te desagrada. Desista de ser o que você não é. Entenda que você não pode fazer tudo por todo mundo, e que agora é a vez do outro fazer alguma coisa. Não ignore o acaso. Saia na chuva. Cante. Aceite convites. Conheça musicas novas. Sonhe. Durma menos. Ame, com intensidade, os seus garotos, sua família e as poucas pessoas que te importam. Tente não assustar as pessoas com a sua intensidade. Não se queixe por ser extremista. Se orgulhe. Continue com esse brilho meio louco nos olhos. Continue enlouquecendo, mas tente não aumentar seus vícios. Que esse ano seja de emoção pura, seja à flor da pele, seja pra marcar. Feliz duas décadas, garota! Vá encher a cara e fazer merda; mas, por favor, chega de SMS na madrugada, isso já ta enchendo o saco!
Muita paz, tranqüilidade, esquecimento e poesia pra você.
Muita poesia e esquecimento.
Muita poesia.

Camila.

PARABÉNS PRA MIM, PORRA! haha

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

uma nota:

está feito o desfeito - ou desfecho; mas está feito e é isso que importa - eu acho. espero não esperar que ainda aconteça alguma coisa. espero. espero. haha