terça-feira, 9 de março de 2010

dona dos meus olhos

Não que eu tivesse medo.

Não que eu tivesse medo.

É o que eu repito, freneticamente, até me convencer.

Na verdade nem sei se podia chamar aquilo de medo ou se podia chamá-lo de qualquer outra coisa. Era apenas uma sensação, morna, que vinha de dentro, do mais intimo de mim, e que em noites de puro desespero explodia pelos olhos feito água. No momento não me recordo da palavra que as pessoas usam para indicar essa explosão, mas eu sei que não é exclusividade minha – muito pelo contrário. Ela chega de mansinho e quente, muito quente, e se joga pelos olhos como fogos de artifícios que não queimam, não ardem, apenas aliviam. Alguns minutos depois surge aquele nó que fica cravado na garganta. O nó é inevitável e não de desfaz com tanta rapidez; e em muitas vezes ele nunca se desfaz.

O que eu quero dizer é que isso tudo que eu tenho para dizer e que quase nunca consigo se resume apenas nessa minha angustia em provar que não há medo algum. Eu sei que muitos vão dizer que podem ver através dos meus olhos e que me conhecem ou conheceram pessoas que passaram pela mesma situação e que no final assumiram ser sensíveis e delicadas e amedrontadas de fato e que eu vou me encontrar em breve e assumirei que há medo grande se emaranhado entre minhas vísceras e que essa minha cara de quem não se importa é a prova de que eu me importo em não me importar.

Vão repetir tantas vezes que dentro da minha cabeça isso tudo não vai fazer sentido algum. Apenas um amontoado de palavras: pensarei, mas ainda assim os ouvirei com atenção e sorrirei e direi que talvez seja isso mesmo, que eles têm razão, que dentro de mim mora um medo irremediável.

Depois do espetáculo corriqueiro eu voltarei para casa e repetirei, freneticamente, a mesma frase até pegar no sono.

Há vezes em que eu, realmente, acredito neles.

Há outras em que eu não acredito nem em mim.

E em todas elas eu detesto tudo.

Eu gosto mesmo é quando o dia amanhece cinza, me dá vontade de abraçar o mundo todo. Vontade, grande, de sair por aí contando minhas verdades, e vontades, sem me preocupar com a expressão no rosto de quem as ouve.

Os dias cinzas me trazem vida; e se não houvesse esse nó cravado na garganta eu seria capaz de sorrir, abertamente, nesse exato momento.

O nó nunca se desfaz, é irremediável e incorrigível.

Eu posso senti-lo se formar a cada manhã quando abro os olhos e encontro o vazio ao lado da cama. Não levanto. Fico alguns minutos – senão horas – esperando ouvir qualquer barulho que prove a presença dela naquele lugar. Não há barulho, incrivelmente não há barulho algum; e eu sei que ela não existe há tempos.

Demoro a levantar, ainda imaginando que a qualquer hora vou ouvir o barulho da torneira aberta ou da porta sendo trancada, depois me obrigo a tomar um gole daquele café forte que eu odeio - somente para me fazer entender que há coisas que são necessárias independentes da nossa vontade. Me troco tentando não olhar para cama. Olho rápido para o espelho somente para ter certeza que eu, sim, ainda existo. Vou caminhando sem rumo, me deixando ser consumido pelo sol que maltrata minha pele. O mesmo que iluminou as nossas tardes e que agora não passa de um borrão de tinta amarela no céu.

Talvez se eu tivesse corrido e corrido muito e parado na sua frente e dito tudo aquilo que eu sempre quis dizer e nunca disse e tivesse pedido para você ficar e te explicado o quão vazia ficaria a cama sem você e te contado o quão vazio eu ficaria sem ouvir a torneira pingar ou a porta bater num dia comum e que eu precisava ser seu com a mesma intensidade que eu preciso ter você agora e que o nosso amor vale a pena sim e que eu aceito suas maluquices e as suas falhas e esse seu amor pela metade e que eu aceito qualquer coisa e que eu troco tudo por um pouco disso que eu só sinto com você e que trocaria todos os dias cinzas do mundo por um único beijo seu e que não suportaria caminhar sob esse sol sem ter sua mão colada a minha e que sem você os dias passariam a ser insuportáveis e as noites seriam cada vez mais longas e que talvez eu até adoecesse sem nem imaginar o porquê; mas eu não disse.

Talvez se eu tivesse dito...

Se eu tivesse dito, você ficaria?

O silêncio dançava, suave, entre nós enquanto eu sentia suas mãos tocando as minhas como num apelo. A gente se vê: eu disse, e você nem sequer me respondeu, ficou apenas me olhando com aquele olhar raso que até hoje eu não desvendei – ainda não sei, ao certo, se estava triste por destruir meu coração ou se eu já havia destruído o seu com aquela frase curta.

Por um instante eu imaginei nossos corpos, nus, entrelaçados, ali mesmo, naquela rodoviária cheia de pessoas sem rostos e sem nomes e, então, a gente se beijou rapidamente. É incrível a maneira como as coisas são partidas. Foi como um copo que se desfaz ao encontrar o chão: aqui copo, logo ali cacos.

Um beijo rápido e agora a cama vazia.

Uma sensação que, de tão pesada, enche a casa de uma saudade que é só sua.

Todos os dias eu sento em frente a porta e espero você voltar. Alguma coisa em nós me machuca, alguma coisa sua arde, vibra, dentro de mim. Receio que você nunca volte ou talvez não me encontre, e por isso eu deixo todas as portas e janelas abertas e digo a mim mesmo que eu não tenho medo da sua decisão e que eu estou pronto para tudo e que eu sou forte o bastante para te deixar partir, de vez, se for necessário. Sorrio para todos mostrando aceitação, mas eles sabem, tanto quanto eu, que sem ela eu já não sou.

Por vezes me afundo em puro desespero e corro e corro e grito, mas ninguém me escuta.

Não que eu tivesse medo não que eu tivesse medo: grito.

Não que eu tivesse medo...

Eu, simplesmente, não tenho mais nada.


3 comentários:

NiNah disse...

Putz que lindo!
Meus olhos ficaram marejados.
Bjo bonita

Rhaissa disse...

Que absurdo de texto hahahaha
=D
Muito bom mesmo!

Amanda Galdino disse...

lembra quando eu te disse que toda vez que eu entro aqui tem um texto que parece ter sido feito especialmente para o momento que eu tô passando.
novamente isso.
talvez eu deva gritar, mas e se eu gritar e não der resultado? e se mesmo assim ele me olhar com aquela cara de 'eu disse desde o começo que não daria certo'? o que eu vou fazer se ele também não responder o meu 'a gente se vê por aí'?
talvez seja melhor sorrir, fingir que tá tudo bem e molhar o travesseiro no meio da noite.