quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Abril

Livro fechado, página 12.

A nossa fotografia marcando o lugar onde eu deveria voltar após a pausa.

Se eu não tivesse a olhado, se a fotografia fosse outra, se eu não precisasse fazer uma pausa ou se, ao menos, tivesse um marcador de páginas qualquer. Nada. Somente aquela fotografia em preto e branco. Para ser honesta ela nem sequer chegava a me incomodar, sua imagem não me incomodava, nem me invadia ou causava qualquer outra sensação que eu pudesse citar e prolongar somente para te maldizer ao mundo. Sua imagem não causava coisa alguma. Talvez o que tenha me colocado nessa pele frágil, que agora visto, tenham sido as cores.

Monotonia pura. Silêncio.

A ausência, gritante, loucamente muda aqui dentro. Eu não tenho forças, nem fôlego, talvez nem haja voz para gritar a merda de uma verdade que eu trago amassada no bolso. O silêncio é pesado demais. Esse silêncio de camas vazias e mãos separadas, que invade o quarto no meio da noite enquanto ao lado dois corpos se amam.

Não; eu não sinto a sua falta e eu não estou tentando dizer nada alem do que eu já estou dizendo, e quase cuspindo, nesse papel amarelado que talvez você nem chegue a ler. Poderia pontuar, aqui, todas as coisas que eu sempre quis que você soubesse ou adivinhasse ou, quem sabe, entendesse, mas estou tão lúcida agora que eu sei que de nada adiantaria. Os telefonemas, as explicações, as horas de conversa jogada fora, em frente ao portão, não adiantaram, por que um pedaço de papel mudaria alguma coisa?

Palavras, palavras, ando tão descrentes delas.

O tempo todo você esteve errado. A ilusão da sua ótica te levou para o extremo oposto da ilha que pintamos e jamais existiu. Eu lembro das pegadas na areia e do seu cabelo bagunçado indo embora. Eu me recordo, perfeitamente, da sua ida, da roupa que usava e o brilho meio opaco que o sol produzia em seus ombros.

Seria lindo se não fosse triste.

De sua vinda eu não me recordo e, para ser sincera, não me recordo de vinda alguma, e é nessas horas em que eu me pergunto se algum dia você realmente veio. Eu não sei. Não me lembro da cor dos olhos e nem do contorno dos lábios, tampouco de alguma expressão colada em seu rosto. Talvez eu não conheça o seu rosto. Talvez você tenha passado por mim milhares de vezes sem que eu o tenha notado.

Mas você esteve errado durante todo o tempo.

Eu não sou assim, eu não quero ser assim.

E eu não quero afastar ninguém e nem me lembrar das costas se distanciando sem poder me despedir. Não me satisfaz manter essas verdades esmagadas no bolso e muito menos abafar esse grito patético que quer sair daqui.

Não; eu não quero liberdade alguma.

Liberdade demais só faz prender minhas asas e embaçar minha visão. Eu não quero ser presa, eu não quero ser solta. Eu não quero uma lasca sequer desse querer, quase porco, que se faz necessário em mil corpos por aí.

Eu não quero coisa alguma.

E é necessário que você saiba que eu não sinto a sua falta e tampouco sua presença. Nem senti aquela sensação morna que poderia ter se transformado em saudade após uma olhada rápida na fotografia marcando a pagina 12. Nem sequer sinto vontade de olhá-la para poder recordar os traços, finos, do seu rosto tão jovem.

Eu não sinto vontade de nada. Eu não quero.

E você esteve errado o tempo todo, eu não sou assim, eu não quero ser assim.

Nunca pintamos ilhas, nunca houve cama cheia ou mãos unidas. Nunca senti sua falta e não vou sentir agora e não vou sentir nunca.

Não há falta e não há presença.

Não há marcador de paginas em preto e branco.

Nunca mais reabrirei aquele livro.

5 comentários:

NiNah disse...

Após ler fiquei sem palavras...
Beijas

Rhaissa disse...

Tem histórias que são contadas, cujo começo nunca vamos lembrar, e o final, apesar de nunca esquecermos, sempre parecem inacabados.

Já outras... o final é tão "fim de história" que fazemos questão, de esquece-lo pra sempre. Porque, denada adianta lembrar, se não há espaço pra imaginar, o que poderia acontecer.
O fim foi declarado.

Não sobra nem ódio nem amor.

Eu sinto isso. Eu sinto toda hora que abro a maldita carteira e vejo a foto. Continuo abrindo, e não jogo a foto fora porque, quando olho pra ela, me dou conta da indiferença que ela me causa.

Não há nem mais causa >.<

É frustrante até.


Amei o texto, AMEI.

Rhaissa disse...

E a proposito...
Caramba Ca, seus textos sempre me acompanham em sentimento ou eu que acompanho seus textos? KKKKKKKKKKK

Eu, Thiago Assis disse...

o problema é que o mundo não é movido por "se" né? :/

Universo Cidade disse...

fazia tempo que eu n vinha aqui...
Poderia pontuar, aqui, todas as coisas que eu sempre quis que você soubesse ou adivinhasse ou, quem sabe, entendesse, mas estou tão lúcida agora que eu sei que de nada adiantaria.

fodão! e vi o outro post!
a musica vozes, perfeita!