domingo, 6 de dezembro de 2009

Inércia impura

As luzes se acenderam e, agora, eu podia vê-lo claramente.


As mãos caídas sobre as pernas, o corpo exausto e aquele ar de quem sabia onde estava, como chegara até ali e o porquê da vinda. O sorriso ainda era o mesmo, igual há três séculos – ou três minutos, não sei –, quando a gente se viu pela primeira vez. Agora só eu o via. Só eu o ouvia. Só eu, só eu.


Eu só.


Era domingo, as cortinas se fecharam, as luzes se acenderam e eu encontrei aquele que eu sentia tanta falta. Ele não me via. Não podia me ver ou não queria ou não conseguia ou apenas queria não conseguir. E eu me entorpecia daquele cheiro que vinha só dele.

Por Deus, como eu quis beijá-lo aquela noite. Como o meu coração sentiu necessidade em senti-lo, como eu precisava, arduamente, daquele corpo sobre o meu ao menos uma vez mais. Ele permanecia estático; as mãos caídas sobre as pernas, o sorriso de exaustão nos lábios. Eu já me encontrava contorcida ao chão, vestida em cólera, rezando para saudade me deixar em paz. As memórias, agora acordadas, corriam como vultos a minha volta, entoando canções que me transportavam para um mundo paralelo ao meu. Me empurravam para qualquer coisa, para qualquer um; me faziam contorcer a olhos vistos e gritar teu nome por todos os cantos do quarto. Gritei até alguém me ouvir, até a garganta sangrar, a boca arder e a audição ficar escassa.


De nada adiantou.


Você nem se moveu, sequer olhou em minha direção. Continuou imóvel, misterioso, lindo, dormindo em sua moldura de fotografia. Eu sabia que a claridade machucava, eu sabia o quão segura a escuridão podia ser. Agora me pego dançando a sua volta, tentando trazer qualquer vestígio de atenção para mim, tentando provocar qualquer sentimento por menor, e mais impuro, que seja. Qualquer um, meu bem. Me odeie, me maldiga; morra de raiva ou, então, de nojo. Cuspa em mim. Escarre. Me jogue num canto qualquer e me corte, me queime. Qualquer coisa, amor, mas, por favor, não me olhe como se estivesse olhando o nada. Tire esse sorriso do rosto, tire as mãos das pernas, feche os olhos e durma. Descanse. O mal já foi embora, e eu zelarei por você.

Os meus olhos estão cansados de olhar os seus que mais parecem promessas. Meu coração não suporta bater tão descompassado. E o meu corpo, lasso, não é capaz de abrigar tanta vontade. Sai dessa redoma que te protege, meu amor. Sai de si. Crie vida, vem para o mundo. Vem para o meu mundo e dançaremos, livremente, nesse breu que nos consola.


Ah, meu bem, se eu soubesse como lhe trazer pra perto...


Se eu soubesse como lhe tirar de dentro e colocá-lo ao lado, eu o faria, meu amor. Sem duvidas, sem culpas, sem pena.


Mas eu não sei.


Enquanto o seu viver me consome eu só peço, a qualquer um, que os telefones toquem, que as cartas cheguem e que, enfim, o porta-retrato se quebre.


Garotas da postagem anterior: Aceito QUALQUER livro do Caio. rs Aliás, acho que to quase merecendo, hein, duas décadas não é brincadeira, não. hahaha

4 comentários:

Aline A. disse...

medigona! Rá!

beijo!

Amanda Galdino disse...

"Me odeie, me maldiga; morra de raiva ou, então, de nojo. Cuspa em mim. Escarre. Me jogue num canto qualquer e me corte, me queime. Qualquer coisa, amor, mas, por favor, não me olhe como se estivesse olhando o nada. "

Meu coração veio à boca, as palavras ficaram presas, meus olhos lacrimejaram, minhas mãos tremeram e minha pele se arrepiou. É impressionante a capacidade que você tem expressar e fazer a gente sentir exatamente o que as palavras querem dizer. E é ainda mais impressionante a capacidade do ser humano em necessitar da atenção de outros.

Unknown disse...

"Me odeie, me maldiga; morra de raiva ou, então, de nojo. Cuspa em mim. Escarre. Me jogue num canto qualquer e me corte, me queime. Qualquer coisa, amor, mas, por favor, não me olhe como se estivesse olhando o nada. "

esse trecho maltrata!
eu prefiro os textos que dizem que voce não o quer e que a casa entrou em reforma. Esses aqui me deixam triste e talvez com sintomas de saudade, não sei. Ah, o livro, só se eu conseguir ;p
escritoradocaralho!

Rhaissa disse...

Nossa, me deprimiu. HAHAHAH

Muito lindo.