domingo, 19 de julho de 2009

Entre quatro paredes

Atravessei a casa correndo, desesperado, querendo, mais que nunca, me ver guardado por quatro paredes. Entrei no quarto. Bati a porta. Fez barulho. Mas não qualquer barulho. Era barulho de porta batida em quarto vazio. O quarto não estava vazio, eu estava lá. Gritei como louco. E os meus gritos criaram asas e voaram por todo aquele cômodo; voaram, se debateram e caíram, mortos, ao chão. Sujaram o tapete de sangue. Grito sangra. Sangra, sim! Só podia ser sangue de grito. Eu não sangro nunca! E dai que eu estava machucado? E dai que a pessoa atrás daquela porta batida se importava com meu ferimento? Eu quero me curar sozinho. Quero dividir minha vida com as paredes. Mas ela não deixa; a Dona Dos Olhos Grandes insiste em me curar. Eu já disse a ela, trezentas vezes, que eu não estou doente. Não estou. Não sou. E os gritos voam sem parar. Atravessam a janela e acordam os vizinhos. E eu os jogo, para fora, com a esperança de que eles atravessem a parede certa e acordem A Menina Branca. Ontem ela disse tudo o que eu queria ouvir. Teorizou sobre amores e até disse as três palavras que formam a frase mais clichê do mundo. Disse tudo. Falou e falou e beijou. No final sempre acontece o beijo e, no fim, ela beijou. Perdeu-se naqueles braços que não eram meus. Deixou-se levar. Pediu que a levassem. E eu só gritei: Fica! Fica!
E ela ficou; aqui dentro.
Eu tentei sorrir e até coloquei band-aid para disfarçar os machucados. Mas as palavras estavam tão afiadas que eu não pude dar conta de tanto ferimento. Não pude. Eu quase a tive. Quase a toquei. Quase fui amado por ela. Os indícios me mostravam o caminho certo. Tudo parecia certo. E agora eu só me pergunto onde foi que eu errei. Onde foi? Me digam! Digam! Apontem o erro e depois riam de mim. Debochem. Se divirtam as minhas custas. Mas me mostrem o erro. Eu deveria me contentar com o abraço. Os abraços ficam para os amigos. Eu era amigo. Amigo demais para beijar a mocinha. E os gritos não param. Não param. Eu tapo minha boca, mas eles se esvaem pelos cantos. Batem nas paredes. Voam e morrem. Morrem. Sangram. Agora batem na porta. Batem e pedem para entrar. É a Dona Dos Olhos Grandes, eu sei. Ela quer me curar a todo custo. Curar-me da Menina Branca. Ela quer me levar daqui, quer me levar para ela. Não posso. As paredes me protegem, como muros, me impossibilitam de enxergar. Eu não quero ver. Não quis. Eu hesitei até o ultimo instante. Me fiz de surdo para não ouvir o que A Menina Branca tinha a dizer. Ela disse, mesmo assim, como se fosse cega perante minha surdez. E repetiu tantas vezes que quase me mutilou.
— Não diz mais nada, por favor. — pedi.
E então estava feito. Estava desfeito. Amor jogado fora. E foi como se aquela certeza inquestionável fosse quebrada. Como se aquela verdade absoluta fosse mentira. Eu corri. Corri para não chorar na frente dela, para não estragar o carpete com a minha água salgada. Atravessei a casa correndo. Bati a porta do quarto e convidei os gritos a me fazerem companhia. E nessa bagunça já não sei quem sou. A mão de alguém bate, sem descanso, na porta do meu quarto. Os gritos se debatem contra as paredes. E eu procuro, na memória, um erro para facilitar o entendimento. Pessoas batem na porta. Gritos morrem ao chão. Batem. Morrem. Batem. Morrem. Batem. Morrem. Morrem. Morrem. Morro; entre quatro paredes.

5 comentários:

Amanda Galdino disse...

Sabe quando você lê algo e sente seu coração apertando? Foi o que eu senti aqui agora.

É aquela vontade de fugir de tudo e sofrer sozinho. Você ama desesperadamente e alguém lhe ama desesperadamente, mas você não quer deixar que ninguém cure suas feridas, talvez seja por medo, porque se alguém tenta curá-las, pode acabar curando. Quando amamos nos entregamos tanto a pesssoa que não queremos nem mesmo esquecê-la ou esquecer o sofrimento que ela nos causou.

Malu Paixão disse...

gritos sangram. Essa foi uma das melhores colocações que já encontrei por aqui!
camila detonando, como sempre. rss. Sobre seu comentário no meu blog... Sim, eu acho seus textos super originais, seu jeito de escrever é único e isso é uma dádiva menina!
bom...
minha mãe está passando por momentos complicados, como sempre enfrentou e, apenas tento retribuir por mesmo assim ela nunca ter se esquecido de mim;
olhaa.. feliz dia do amigo [atrasado] hehe.. e considere-se uma das minhas amigas-blogueiras mais especiais desse mundo virtual! rss
bjãoo.. boa semana!

Anônimo disse...

as vezes é melhor assim do que annciar e deixar as pessoas se meterem nos seus sentimentos

beijos

EmileJ disse...

MEUUUUUUUUU DEUUUUUS, parabéns,
vc dominaa as palavraaaaas!

Bruna Mesquita disse...

Ai como doeu chegar ao fim do texto,deu vontade de gritar também.
Ouvi essa frase essa semana :"O amor é como um Vinho; Ele pode ser Doce e embreagante; Mas ele pode azedar e virar Vinagre"
Num é verdade!