quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O vôo

O relógio marcava quatro e trinta e nada parecia nítido àquela altura naquele apartamento vazio. A policia fazia um barulho enorme, junto aos vizinhos assustados, enquanto lá dentro o silencio era ensurdecedor; o silencio normalmente grita nessas horas, e quando o silencio grita é hora de morrer.
Dois corpos jogados na calçada.
Um homem e uma mulher; mortos.
A gritaria aumentara e ninguém era capaz de dizer o que havia acontecido ali. "Um casal de namorados apaixonados", disse um dos vizinhos; "eles nunca brigavam", disse outro; "homicídio", apostava alguns. E o que mais intrigava a todos - menos a mim - era o sorriso, meio perdido, no rosto do rapaz atirado na calçada; um sorriso de desejo atendido, sonho realizado.
Todos se assustaram ao vê-los mortos e as velhotas do prédio diziam a todos que fora castigo divino, que era evidente que eles tinham algum pacto com o "coisa ruim" e que era uma vergonha a vida que levavam. Eu, particularmente, acho que eles apenas viveram - no sentido mais puro da palavra. Havia vida por toda parte, até nos goles de álcool e tragadas de uma erva qualquer. Muita vida. Vazava aquela vontade de viverem e amarem e enlouquecerem; juntos.
Jamais pensaram em suicídio.
Foi desespero, um ato de puro desespero.

Ela chegou batendo a porta e dizendo coisas, para ele, absurdas: não dá não dá mais pra ser assim não quero mais que seja assim acabou vou embora e não me peça pra ficar e nem diga que me ama pois isso pouco me importa me esquece to fora.
Ele tentou - mesmo sem êxito - dizer que a amava e que iria mudar e ainda pediu, insistentemente, que ela ficasse; não deu.
Acabou!
A palavra ecoava na cabeça dele enquanto ela jogava todas as roupas numa mala qualquer. Então ele, sem saber o que fazer, trancou a porta; tentou, ingenuamente, impedi-la de sair de sua vida para sempre. Ele a amava, caramba! Não suportaria vê-la em outros braços. Quando, finalmente, as malas ficaram prontas ele, aos gritos, anunciou o veredicto: você não vai embora você só sai desse apartamento se for pela janela querida e comigo.
(...)

Dois corpos jogados na calçada.
Um homem e uma mulher; mortos.
Paixão no décimo andar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aviso:

to sem net e sem pc e, pelo jeito, não sei quando tudo volta ao normal; tenho muitas coisas bacanas - ou não - para postar, então quando tudo se normalizar prometo postar com mais frequencia. rs
enquanto isso é isso.. haha
o texto anterior é bacana (Y) e em breve - espero - volto a acompanhar os meus queridos blogueiros :D
Obrigada.

beijos.

Camila

domingo, 13 de setembro de 2009

Caótica; mente caótica

Escovando os dentes para tirar o gosto amargo da boca; escovo sem parar e por impulso, quase rindo e quase sem perceber, já sabendo que a merda de um creme dental não levará o amargo do beijo embora.
É uma maldição, talvez.
“A maldição do beijo”, um bom titulo para um livro tosco – às vezes insisto também em escrever. A tal maldição é circular, passa de boca em boca, de beijo em beijo. E eu penso que quando encontrar o dono daquela boca maldita tudo se findará.
Circulo fechado; o fim.
Isso me diverte às vezes e me causa náuseas regulares.
Três vezes ao dia.
Três semanas num mês.
Três meses num ano.
Deve ser a porra de um inferno astral – ou não.
E eu procuro uma loucura quase passageira, uma loucura interna que eu quase encontro em algumas noites de cinzeiros cheios e copos vazios.
Corpos vazios.
Muitos. Vários.
“O mundo não merece minha lucidez” é uma frase tão verdadeiramente idiota. O mundo não merece minha porra de lucidez e talvez nem minhas palavras. Por isso eu vivo; só para cuspir na cara desse mundo de merda e dizer que eu sou boa demais para ele. Boa demais para ser boa demais. O suficiente para ser o restante, o escuro, a sombra de qualquer coisa excessivamente iluminada.
A vida me dopa!
Vida filha da puta; porque para ter feito uma vida assim – piegas – só sendo puta mesmo. Puta, tosca, pseudo-escritora que, pra ajudar, não vale nada.
Olhando minhas mãos – precisamente a direita – percebo uma marca vermelha, estranha, deve ser a marca que a descarga – quebrada – deixou ali. Os vômitos são regulares, lembra? Eu já falei sobre qualquer coisa de inferno astral?
O problema é que a marca nunca é só a marca – isso fode tudo. Atrás da marca há sempre outra; e quando eu digo sempre, é sempre mesmo. A saudade, por exemplo, é uma marca e por trás dela há o causador e os motivos que te fazem lembrar e os motivos que o fizeram ir embora.
Marcas se escondem atrás de marcas.
Odeio marcas. Odeio pessoas que vão embora. Odeio sentir saudade e ter de escovar os dentes cem vezes ao dia com uma esperança fina de transformar o amargo em gosto de hortelã.
A escova não alcança o amargo; o amargo nem é amargo; o amargo é doce.
Tão doce que chega a amargar a garganta, entende?
Não, não é?
Você nunca vai me entender. Sempre vou ser estranha demais, quieta demais, caótica demais.
Caótica; mente caótica.
Um dia minha mente se cala; um dia meus dedos se cansam; um dia eu durmo, querida, eu durmo.
E nesse dia...
Ah, nesse dia eu enlouqueço de vez.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

então eu grito...

SÓ QUERO TE DIZER PARA ME DEIXAR EM PAZ.
PARA PARAR DE MASTIGAR MEU CORPO TODAS AS NOITES.
PARA PARAR DE ANOITECER.
AMANHECE, CARAMBA!
AMANHECE DE UMA VEZ E VAI EMBORA.
SERÁ QUE NÃO CONSEGUE VER QUE EU JÁ ENTENDI?
SERÁ QUE NÃO PERCEBE?
AGORA É A SUA VEZ DE ENTENDER:
ME DEIXA!
ME ESQUECE!
ME COSPE, PORRA!

será que assim ele escuta?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Mofo

O gosto de cigarro na boca dele me faz sentir certa felicidade em me ser. Aquela pele de homem colando na minha, como imã. Dois pólos, negativo & positivo, nos atraímos por assim dizer. Nos atraímos, e nos distraímos, perdidos vagarosamente entre si. Puramente impuros e insanos. Putos. Com vodca e soda descendo sem parar.
– Duas pedras de gelo e uma rodela de limão.
Por favor. Por Deus. Por nós. Pelos filhos que não tivemos. Por toda essa droga de amor que acaba com a gente enquanto sorrimos entorpecidos de prazer.
Ah, o gosto de cigarro na boca dele me faz tão bem. Me faz viva. Me faz e só. E assim somos; eu e ele; nós.
A barba roçando minha pele, enquanto declamo os versos que eu fiz só pra nós dois. Ele ri, com graça, da sem-gracice que surge quando eu falo do gosto na boca dele.
– Você odeia cigarros, meu bem.
Eu sei. E é por isso.
Então tudo se encaixa, rapidamente, como num final de filme perfeito. Nos encaixamos, um no outro, envoltos pelo lençol branco da nossa cama bagunçada; ele me beija com avidez, como se quisesse me fazer provar o gosto mais intimo da nicotina em sua língua. Eu provo, prazerosamente, e aprovo esse elo que nos une.
Unidos nos dominamos ali, cheios de prazer e vontade. Ele adormece e eu, sem perceber, me pego velando seu sono de menino-homem.
Meu menino, meu homem, meu gosto favorito.
Meu pólo.
Meu imã.
E, lá, no fundo mais amargo do meu ser, sinto medo pelo fim dos nossos dias. Sinto um desespero, quase que agradável, de ver tudo desmoronar em minha frente; a porta batendo e o meu garoto indo embora.
Ah, como essa imagem me é triste; como é solitária, vazia e nostálgica.
Sem me curar da loucura já sinto saudade daquela língua matando minha sede.
Deito, calmamente, minha cabeça naquele peito nu; antes de adormecer ainda, hesitante, me obrigo a sentir sua barba uma vez mais.
Um beijo.
Um olhar quase que risonho.
Risos contidos.
Digo que lhe amo enquanto ele sonha com morangos; e, então, eu, enfim, adormeço imaginando-os, todos, mofados.


Dormi com Caio F. e acordei assim; meio morango meio mofo, meio ele meio eu.